EMBUCETANDO COM BANHEIROS MASCULINOS
“Bangalô” (1940), “salão de chá” (1960), “ilê de nena” (1992), “pistão” (1996) e “banheirón” (2006) são algumas das maneiras com que banheiros públicos masculinos já foram nomeados em dicionários e glossários do bajubá, a linguagem criada pelas bichas brasileiras como uma ferramenta de resistência e identidade. A existência de tantas expressões não é gratuita, ela marca a importância que, desde os primórdios da consolidação de uma comunidade dissidente, esse lugar assumiu para nós. Dada a intensa discriminação sofrida por pessoas LGBTI+ no Brasil, que até recentemente criava toda sorte de impedimentos para ocuparmos o espaço público, obtermos oportunidades de trabalho e mesmo construirmos quaisquer relações sociais, foi se criando uma cultura de envolvimentos sexuais efêmeros em nosso meio, cultura essa que teve nos banheiros públicos um dos principais pontos de articulação: espaço precioso para buscar parceiros, portanto, e também para bichas e michês prospectarem clientes, já que o aqüé dos PGs foi uma das primeiras brechas que encontramos para viabilizar nossa existência.
No entanto, se para homens cis gays/bissexuais o banheiro masculino ainda hoje é uma referência incontornável e para travestis ele vai deixando de sê-lo (com a nossa migração para o feminino, por questões de segurança e validação do gênero), um novo segmento da comunidade LGBTI+ começa a ser convocado a pensar no simbolismo desse espaço: as pessoas transmasculinas. Indivíduos que até pouco tempo atrás ou sofriam apagamento completo ou eram tratados como tipos extremos de lésbica, agora eles são cada vez mais numerosos e estão bugando a forma como o banheiro público se organiza.
Qual dos banheiros as pessoas transmasculinas deveriam usar? Se o critério fosse simplesmente identidade, cada ume escolheria o que mais lhe agradasse e pronto, mas a realidade é bem mais complexa. Muites, por sua aparência masculina, são compulsoriamente obrigades a utilizar o banheiro masculino, mesmo que tenham medo de violência ou não se identifiquem como homens. Também é comum, ainda hoje, ter apenas mictórios nos banheiros masculinos ou então cabines sem porta (ou com a trava quebrada) e/ou sem papel higiênico para se limpar, pontos que criam uma nova série de dificuldades para figuras já tão invisibilizadas.
As obras de Fefa Lins brincam de explorar os sentidos dessa ocupação. O que muda quando corpos com buceta passam a se fazer
presentes em banheiros ditos masculinos? Como esse point da macheza se comporta quando passa a conviver com transmasculines? Nesse encontro insólito de masculinidades, o binário de gênero fica em choque, entra em xeque e, já que estamos falando de banheirão, cabe dizer ainda que ele leva aquele jato babadeiro de água de chuca.
Hora dos mictórios se tornarem peça de museu, será? Marcel Duchamp já tinha vislumbrado essa hipótese, bora ver o que Fefa aprontou.