Necrocolônia 2016-2019; Texto Crítico de Thais Rivitti
07.11-07.12.2019

Necrocolônia 2016-2019; Texto Crítico de Thais Rivitti

Luciano Zanette 07.11-07.12.2019
"Necrocolônia 2016-2019", por Thais Rivitti

Não tardou a aparecer na arte o retrato sombrio da política do nosso tempo. A exposição “Necrocolônia 2016-2019”, de Luciano Zanette, é um exemplo muito instigante dessa tarefa, assumida pela arte de hoje, de elaboração do amargo retrocesso do pensamento humanista do qual somos todos testemunhas.

A série de retratos “Sobre Posições”, 2019, mescla famigeradas figuras da cena política brasileira: parlamentares, juízes, ex-presidentes de assembleias, comissões, colegiados e também do país… Personagens que ganharam o noticiário a partir do golpe de 2016 (ano que marca também uma guinada política na produção de Zanette). Temer, Gilmar Mendes, Moro, Bolsonaro, Rodrigo Maia e outros tantos personagens que a gente reconhece as feições mas esquece o nome, que já vimos na TV ou nas matérias de jornais mas não conseguimos mais lembrar a qual barbaridade ou descalabro encontram-se associados. Um grupo majoritariamente composto por homens brancos com uma trajetória política longa, embora nada memorável. O esquecimento, aliás, é a matéria de que os desenhos de Zanette são feitos. Concretamente, são executados com traços sobrepostos, zonas sombreadas e efeitos aquarelados, técnicas que colaboram para uma fusão ou dissolução das figuras. Em uma camada mais profunda, são retratos que não individualizam, cuja imagem do retratado está sempre na iminência de se formar, mas não chega a se diferenciar por completo e sempre nos escapa. Colocados lado a lado, formam um panteão de fantasmas. E é com essa imagem sombria da cena política que Zanette nos deixa a pensar sobre aquilo que Achille Mbembe denominou de “Necropolítica”. Nesse ensaio, o filósofo camaronês diz:

​          “A afirmação de uma autoridade suprema em um determinado espaço político não se dá facilmente. Em vez disso, emerge um mosaico de direitos de governar incompletos e sobrepostos, disfarçados e emaranhados, nos quais sobejam diferentes instâncias jurídicas de facto geograficamente entrelaçadas, e nas quais abundam fidelidades plurais, suseranias assimétricas e enclaves.” (P. 139)1.

A exposição “Necrocolônia 2016-2019”, caminhando junto com o ensaio de Mbembe, evoca a estrutura de poder colonial para enfatizar a relação de extrema violência que governa todos os âmbitos da vida contemporânea. Enquanto o filósofo afirma que: “as colônias são o local por excelência em que os controles e garantias de ordem judicial podem ser suspensos – a zona em que a violência do estado de exceção supostamente opera a serviço da ‘civilização’” (p. 133), Zanette mostra como a violência está presente no cotidiano brasileiro em pleno século XXI.

Sendo um artista-professor, é para o âmbito da educação que sua reflexão se volta. A obra “Escola ‘cívico-militar’ em imposição”, da série “A Nova Escola Neoliberal Empresarial Colonial Midiática Jurídica Militar”, mostra uma carteira escolar cujo apoio para escrita foi substituído por um cassetete. Um gesto de colagem que se vale de uma semelhança formal para criar uma imagem forte daquilo que a Escola – como um aparato ideológico em disputa – pode se tornar. Mais duas obras da mesma série comparecem à exposição. Em “Interdição Educação” uma cadeira aparece suspensa, atravessada por uma espécie de lança que a levanta do chão. A palavra interdição, presente no título da obra, junto ao gesto de suspensão que constitui o trabalho, nos faz pensar dos perigos de uma sociedade na qual a própria ideia de educação é atacada.   Ainda parte da série “A Nova Escola…”, há uma obra constituída por duas estruturas que lembram lousas e ostentam frases relacionando ignorância e educação, fascismo e democracia.

A obra “Instrumento de Estado Tanatopolítico” que une um cassetete a uma foice, uma colagem ardilosamente assemelhada a uma logomarca, atesta nossa entrada nas profundezas. As novas obras de Zanette têm os pés fincados no presente: com um discurso direto, marcam uma posição sem ambiguidade em relação ao contexto político atual.

1. Achille Mbembe. “Necropolítica” In: Arte Ensaio – Revista do PPGAV/EBA/UFRJ. n. 32, dezembro de 2016.

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