Randolpho Lamonier

Randolpho Lamonier

n.Contagem, MG (1988)

Randolpho Lamonier é artista visual formado pela Escola de Belas Artes da UFMG. Seu trabalho transita entre diferentes mídias, tendo protagonismo a prática em arte têxtil, pintura, vídeo e instalação. Em sua pesquisa, palavra e imagem estão sempre em diálogo e costumam versar sobre micro e macro política, crônicas, diários e múltiplos cruzamentos entre memória e ficção.

Seu trabalho faz parte das coleções permanentes do Museu de Arte de São Paulo, Denver Art Museum, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Premio Pipa, Museu Casa das Onze Janelas e Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia.

Participou de diversas exposições dentre as quais se destacam ”Spin a Yarn”, Another Space, Nova York, 2023; “Who Tells a Tale Adds a Tail”, Denver Art Museum, Denver, 2022; “Histórias Brasileiras”, MASP, São Paulo, 2022; ”I like South America and South America likes Me”, Belmacz Gallery, Londres, 2021; “On The Shoulders of Giants”, Galeria Nara Roesler, Nova York, 2021; “AGAINST, AGAIN: Art Under Attack in Brazil”, John Jay College of Criminal Justice, Nova York, 2020; “15th Lyon Biennale – Jeune Création Internationale”, Institut d’Art Contemporain, Villeurbanne, 2019; “36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão”, MAM, São Paulo, 2019; “What I really want to tell you…”, Fundación Pablo Atchugarry, Miami, 2019; “Educação pela Pedra”, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2019; “ Arte Democracia Utopia, Quem não luta tá morto”, MAR, Rio de Janeiro, 2018; “MITOMOTIM”, Galpão Videobrasil, São Paulo, 2018; “Videoformes International Digital Arts Festival”, Clermont-Ferrand, 2016 e as individuais “My kind of dirty”, Fort Gansevoort Gallery, Nova York, 2021; “Megazord codinome Esperança”, Mitre Galeria, São Paulo, 2021; “É tarde e chove, mas os ratos não têm medo do escuro”, Zipper Galeria, São Paulo, 2018 e “Vigília”, Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2017.

Em 2020 Randolpho foi um dos vencedores do Prêmio Pipa.

Vive e trabalha em São Paulo.

por Julia Rebouças, 2020

Randolpho Lamonier se apressa. Como exercício artístico e modo de vida, experimenta o que se apresenta. Caminha cidade afora, coleta materiais descartados, fotografa os amigos, recorta tecidos, anota uns versos de raiva e outros de amor, deambula entre a periferia de Contagem e o centro de Belo Horizonte. Registra o tempo, o fio desencapado, a rua da jane- la, o lixo do final do dia, o trem no túnel, a chama acesa, o corpo que ainda não dormiu. Num momento, tudo é movimento, no outro, se sente paralisado. Tem apenas duas mãos, um coração, e tanto por fazer. Não vai ser possível. Fragmentos de tempo parecem para sempre, mas quando se apercebe já está de volta ao passo, afinal há tanto por fazer e possível nunca foi. Vive a urgência de quem não pode mais tolerar uma estrutura que constrange, limita e ameaça a si e a seus iguais. Uma arma sempre apontada para a cabeça, para o peito, para as pernas. Um dia, ela dispara não no seu, mas no dorso jovem do vizinho. Uma poça de sangue na calçada de casa.

Sentado à frente da TV de sua infância, os programas vespertinos gritavam cores, ruídos, filmes dublados e desenhos animados. No final de semana, ajudava os tios numa pequena produtora de filmes de casamento e eventos festivos. Passava, assim, a se familiarizar com as câmeras e fitas de VHS. O universo artístico lhe chega por meio de uma trupe de teatro amador num centro cultural de Contagem, onde em 2006 ingressa como ator. Nesse contexto, começa a fotografar sua turma em cenas montadas para a câmera. Estuda no Teatro Universitário da UFMG, mas abandona o curso sem concluí-lo em 2008.

Ainda neste ano, integra brevemente o Grupo Oficcina Multimédia, onde lhe salta aos olhos o modo de atuar da cenografia e da direção de arte, marcas da pesquisa do grupo e da dire- tora Ione de Medeiros. No desejo de dar sentido àquele cotidiano, segue documentando seu entorno geográfico e emocional em imagens, objetos e coisas que, pouco a pouco, vai entendendo como sua produção artística. Já atuando profissionalmente como ator, na tentativa de ganhar a vida, foi trocador de ônibus, professor no ensino infantil, panfleteiro, figurante, roadie, animador de festa, ilustrador, auxiliar de expedição, cenógrafo, tosador de cachorro em pet shop. Em 2012, inicia o curso de artes visuais na Escola de Belas Artes da UFMG e passa a se dedicar exclusivamente aos estudos e às artes visuais.

Aspectos narrativos e históricos misturam-se com projeções de futuro, sejam na forma de propostas de luta ou de utopias. Nos trabalhos Profecias, conjunto que começou em 2018, realiza bandeiras que anunciam acontecimentos que, se são conquistas de direitos civis ab- solutamente justas, por outro lado mostram-se como realidades distantes num momento de tanta ameaça aos direitos humanos. “Guerreirxs Guarani Kaiowá vencem luta por sua terra ancestral. 2034”, diz uma das obras, que mistura folhagens,uma serpente, e uma repre- sentação do Congresso Nacional em chamas. Em outra, lê-se “Exército Queer incendeia ig- rejas e inaugura o estado laico no Brasil. 2028”. Aqui, compõe com sobras de tecidos de di- versos feitios e cores, numa técnica que faz referência às obras do paraguaio Feliciano Centurión (1962-1996) e da chilena Violeta Parra (1917-1967), com suas Arpilleras.

Sua obra é marcada pelos encontros com outros artistas, compondo uma geração que compar- tilha inquietações e ideias. Muitos deles vêm inclusive da cidade de Contagem, onde Randolpho cresceu. Dayane Tropicaos, Desali, Sara Não Tem Nome, Victor Galvão, são alguns desses par- ceiros e colaboradores frequentes. É também de Contagem a produtora de cinema Filmes de Plástico, de Gabriel Martins e André Novais, além de realizadores como Affonso Uchôa.

Na instalação Vigília (2017), seus contemporâneos protagonizam cenas que remetem à me- lhor tradição de fotografia da intimidade, em que corpos são fragmentados pela noite, sexo, música, encontros. Se nessas imagens há torpor e melancolia, há também vigor.
No projeto que realizou para a mostra Jovem Criação Internacional [Jeune Création Interna- tionale], parte da 15a Bienal de Arte Contemporânea de Lyon, a obra Brasil 2019 – Partitura para fogo e metais pesados (2019), seu campo de observação se abre dos limites dos quar- tos e edifícios para os espaços públicos. No filme que integra a instalação, as imagens acom- panham seus pares em movimento, por ruas, estações de metrô, descampados. O texto se inicia no peso dos restos de uma festa, mas logo está tratando de contextos políticos e so- ciais que sufocam quem não goza com a morte e com a destruição. “Nós escolhemos a vida e vamos viver. Escolhemos e vamos viver. Nós vamos viver.”, ouve-se na sequência final, enquanto três artistas dançam em cenas distintas. Além do vídeo, a instalação é constituída por um vasto grupo de esculturas e composições feitas com materiais cotidianos, plantas, cadeiras, almofadas, descartes, em rearranjos que tornam o ambiente familiar, ao mesmo tempo em que incomum.

Os materiais destinados ao refugo são, por sua feita, matéria e índice de diversos outros trabalhos de Randolpho Lamonier. O resultado dos excessos e da obsolescência programada gerados pelo capitalismo precisam ser retirados dos salões do poder. Mas eles não so- mem, como não desaparecem as pessoas excluídas dos pactos de bem-estar social. Do que é visto como resto, o artista constrói abrigo.

A obra Entre máquinas e fogo fui criado (2019), comissionada para o 36o Panorama da Arte Brasileira: Sertão, é estruturada a partir de uma carcaça de geladeira, presa a hélices sem função, botijões velhos, latas reaproveitadas e ferragens que, a despeito da aridez e preca- riedade dos elementos, conformam uma habitação, com pequenas plantas, ornamentos, símbolos de fé e aconchego. Essa estrutura está suspensa, presa por uma linha de cache- cóis e tecidos que encontram, do outro lado, um móbile de utensílios domésticos, apresen- tando um equilíbrio entre diferentes pesos que desafia as leis físicas. A instalação, de acordo com o artista, faz referência à casa paterna. Ali próximo, na mesma exposição, havia ainda uma homenagem à sua mãe. A casa de dois andares sonhada por minha mãe no início dos anos 90 (2019) é feita como um grande painel de tecido, a partir da técnica da costura e bor- dado de tecidos e lãs, que representam um desenho de traçado quase infantil. A casa tão desejada tinha dois andares, várias janelas, uma horta, canteiro de flores, árvores frutíferas. Do telhado, escapava uma antena de TV. D. Maria do Carmo C. Lamonier, sua mãe, é costu- reira e trabalhou por mais de 20 anos na feitura de bancos automotivos que servem à mon- tadora de carros do pólo industrial de Betim, cidade vizinha a Contagem.

É ela quem auxilia o artista, com sua técnica e equipamentos de costura, na elaboração de parte das obras em tecido. É ela que, certamente, merece a melhor casa que possa sonhar.

Do trabalho com tecido, fotografia, vídeo, gravura, escultura e instalações, Randolpho Lamo- nier desenvolve uma obra que trata de experiências, a um só tempo, biográficas e coletivas que, por sua condição periférica, ocupam a centralidade da vida brasileira. Onde se credita pura violência, ele apresenta afeto; onde se deseja mera resignação, ele revida. Desde as suas primeiras exposições, em Belo Horizonte, em 2012, se inscreve como um artista irre- quieto. Numa obra de 2018, que integrou um projeto em duo com Thiago Martins de Mello, Randolpho escreve em estêncil, sobre uma lona: “Sejamos a febre”.