“Atenção ao dobrar uma esquina”
Sons são elementos que nos conectam a transcendências, a memórias, a lugares, a pessoas. A música é uma manifestação presente em todas as culturas. É a passagem do tempo, é linguagem, é abstração. Imagens são construções de contrastes, contornos e matérias; ilustram ideias, desencadeiam fantasias, concretizam emoções e fixam a história. A nem sempre imediata relação entre imagem e som é inaugurada liricamente pelo mito de Eco e Narciso – ele, um belo jovem que nascera sob a premonitória advertência de um oráculo de nunca ver sua própria imagem sob risco de morte; ela, uma ninfa que tinha corpo, mas não tinha voz, amaldiçoada por falar demais a apenas repetir as últimas palavras que escutava. Aí reside a tragédia: a visão de si, que pode ser um outro, e a voz do outro que volta como a minha própria. Narciso viu-se no espelho d’água e, encantado pelo próprio duplo, afogou-se na sua imagem e virou flor. Eco, apaixonada por Narciso, nunca conseguiu comunicar seus sentimentos: assustando o belo moço com os ecos, viveu escondida em uma gruta até virar apenas voz e ossos – tornou-se pedra.
Ao entrar nesta exposição poderemos nos surpreender com a inesperada e potente consonância entre visualidade e música que informa estes trabalhos de Felippe Moraes. Mesmo não sendo músico, matemático, ou astrofísico, o artista lança mão de todos esses assuntos em trabalhos tão poéticos quanto científicos; tão racionais quanto afetivos; tão destoantes quanto uníssonos. Há uma clara racionalidade musical nas experiências sensoriais desencadeadas pelas obras, ao mesmo tempo que a natureza lúdica da interação e cooperação nos transporta a estados mais surreais e inconscientes.
O corpo, por sua vez, é implicado essencialmente em quase toda a mostra, que deve ser usufruída em comunidade. A introspecção singular usualmente reservada à contemplação de obras fixas na parede dá lugar a vivências compartilhadas. Estaremos envolvidos em ruídos incontroláveis, enredados em aromas repentinos, convidados a aproximarmo-nos uns dos outros. A coletividade essencial às obras pode ser democraticamente libertadora e, juntos, nossos corpos alimentam suas potências, informam outras histórias, vibram futuros possíveis. Esse momento não será repetido, mas será vivido de novo e de novo e de novo.