As pinturas de Lucas Rubly sempre surpreendem o olhar – são verdadeiras descobertas que nos animam buscar os mistérios da pintura e da representação. Olhar um quadro seu é um ato de admiração e indagação: Onde já vi estas paisagens ? E estas flores são naturais ou artificiais, vivas ou mortas? E as abstrações, representam alguma coisa?
Tais aspectos da obras de Rubly, produzidas tecnicamente por uma instigante mistura de tinta à óleo e cera, conduzem a resultados pictóricos onde percebemos estranhamento e fascínio. Neste sentido, Antonio Gonçalves Filho, ao anunciar o surgimento de Rubly em São Paulo escreveu que o artista tem como referência a metafísica, na vertente do pintor italiano Giorgio Morandi.
É assim que as imagens das telas de Lucas tendem a serem realistas, parecem reproduzir o real, mas efetivamente elas são representações distorcidas por leve toque surrealista. Detalhe fundamental. Impõem-se, então, nestas pinturas o ar rarefeito do vazio. E elas transmitem uma sensação de solidão.
Com os pés fincados na tradição da pesquisa da pintura (com formação orientada por Paulo Pasta), Rubly transita por diferentes assuntos com liberdade e testando as possibilidades do uso das tintas e das pinceladas. Suas paisagens abrem o espaço da tela, fazendo caber aí a ampla visão panorâmica e as ambiguidades da natureza, com a luminosidade se concentrando na superfície da água dos lagos, deixando as árvores e arbustos sem luz – criando um jogo contrastante de claro-escuro. Na série dos vasos de flores, ele fecha o foco no vaso, mas abre um espaço infinito como fundo, que acaba por se tornar relevante – criando um jogo de relações entre primeiro plano-plano de fundo. Neste conjunto dos vasos a luz é difusa e homogênea, emana do ambiente e ilumina igualmente o espaço. E, nas pinturas abstratas discute as relações entre cores e formas, de maneira mais soltas, remetendo ao campo amplo (paisagens) e também a pequenos recortes (vasos de flores).
Ao observador cabe se situar frente à inusitada pintura, geralmente de pequenas dimensões, e poderá ver ali cenas ou detalhes de algum filme que ficou na memória, basicamente filmes norte-americanos de suspense de meados do século passado. Ou, adequadamente ao pequeno formato da pintura, o observador poderá buscar referências em algum álbum de História em Quadrinhos desenhado com cores escuras e próximo da ficção científica. Tanto estes filmes quanto as HQs que vêm à mente tangenciam a distopia. As pinturas de Lucas remetem a lugares do passado onde havia harmonia, mas que sofreram alterações e perdas. O artista faz uma pintura de ‘falta’.
Daí a presença do trágico nestas obras que são atravessadas pela sensação encantamento-assombro.
Rubly produz pinturas que são convites para procurar outros lugares, novas referências e inusitadas sensações – para além da vida cotidiana. Casas calcinadas ou que absorveram toda luz como um buraco negro. Árvores naturalmente nascidas, mas que parecem modificadas geneticamente. Lagos plácidos nas paisagens, espelhos de duplos, que se tornam armadilhas para desestruturar tanto a ordem natural quanto o olhar do observador. Flores de contornos tortuosos ou cores inesperadas que se distanciam do esperado.
Além do mais, para produzir suas pinturas e alcançar este resultado reflexivo, Rubly tem como base um processo redutivo: a luz que emana da superfície da pintura é amena – gerando um ambiente próximo do poente; as cores são parcimoniosas, sem contrastes, em torno basicamente do difícil verde e do sóbrio marrom; as coisas representadas são aparentemente corriqueiras.
Os trabalhos de Lucas situam-se na esfera da lentidão, uma vez que eles se contrapõem à profusão de imagens e ao ritmo acelerado da Sociedade do Espetáculo e da Sociedade em Rede – marcas da conturbada contemporaneidade.
Isso tudo resulta em pinturas com uma beleza contida que necessitam de um olhar acompanhado de silêncio. Pinturas que, mesmo na estranheza, encantam.