Francisco Hurtz tem o dom da graça, que é uma forma delicada da beleza. Ele reivindica o título de artista queer, o que é, de fato. Seus temas são centrados, de maneira exclusiva, no universo dos prazeres e obsessões homossexuais. Não é o único a fazer isso, bem ao contrário: a arte contemporânea é muito rica em artistas e produções no mesmo campo. O que faz a originalidade de Francisco Hurz não é esse universo de onde extrai seus impulsos criadores. É o fato de que os resultados se manifestam por meio de uma graça inocente, que retira todo peso e todo pecado de suas obras.

Isso faz com que elas ultrapassem, de longe, o gueto. As fotos de Alair Gomes seduzem não por sua direção erótica – ou, pelo menos, não apenas – mas pela extraordinária beleza que emana delas. Possuem o esplendor dos corpos criados pelo renascimento. São muito raras as que demonstram um apelo sexual imediato. As obras de Francisco Hurtz, de outro modo, também não exercem esse tipo de atração. São apuradas e sutis, dos desenhos às fotos.

Seus desenhos figuram jovens sem rosto. A linha é muito fina. Ela encontra sua substância imaterial maior quando gravada em placas metálicas. A imaterialidade é persistente e permanece ao ser traçada no papel, porque as figuras continuam transparentes, sem modelado e porque o risco é preciso e constante. Seus jovens assim representados lembram as figuras esquemáticas que ilustram certos manuais de educação física. Distinguem-se delas, porém, pela beleza gráfica.

É o grafismo a força mais incisiva de Francisco Hurtz. Seus desenhos têm algo de uma escrita e funcionam como sinais. Os personagens que cria se fecham numa vida íntima, indiferente ao espectador, existindo plenamente na luz do fundo abstrato. As relações eróticas que mantém entre si, ou a pura presença, quando estão sozinhos, levam a uma contemplação de fora, a uma visão distanciada: descobrimos o prazer de seres que nos encantam e do qual não participamos.

Tento explicar comparando. Tom of Finland deixou imagens reverenciadas por gays que se interessam ou não por arte. Suas criações são destinadas a fortes estímulos sensuais, implicando a franqueza rude do ato sexual, para serem lidas na mão esquerda. Isso não ocorre, de modo algum, com os desenhos de Francisco Hurtz que vivem no mundo dos emblemas. Pela depuração gráfica e pela qualidade sensível das situações representadas, não é espantoso que façam tanto sucesso como tatuagens identificadoras pelo mundo afora.

As obras em que Francisco Hurtz emprega cores, sobre papel ou sobre tela, demonstram a mesma afirmação linear e simplificam-se pelo monocromatismo. Elas incorporam, mais uma vez, algo de demonstrativo: seu aspecto sobressai de imediato como intelectual. Passamos dos manuais de educação física aos velhos livros de medicina doméstica. Mas esta alusão que faço aqui não vai longe, porque são obras que se encontram muito acima de uma referência deste gênero graças à vida interna e indiferente que lhes é própria. Como se dissessem, com poder instaurador, “isso existe e é assim”.

Do Francisco Hurtz fotógrafo emana quase sempre um antierotismo por meio desse caráter indicador e demonstrativo sempre constante. As fotos também nascem de um jogo intelectual, que as manipulações operadas sobre as imagens, quando existem, confirmam.

Esses elementos permanentes garantem a originalidade tão evidente e tão reconhecível naquilo que Francisco Hurtz cria. Não se trata de uma originalidade buscada e que seria, portanto, artificial ou estratégica. Ela brota igual a si mesma, sem dever nada a ninguém. Cada um de seus desenhos, aquarelas, pinturas ou fotos, encanta e seduz para além das militâncias e das pulsões eróticas de cada um.